30 Julho 2020

De que forma os países menos avançados podem atrair investimento direto estrangeiro no contexto da COVID-19?

Formas de os PMA se adaptarem face à crise global

A COVID-19 fez a economia global cair a pique e a recuperação permanece altamente incerta até que o vírus seja erradicado. Os Países Menos Avançados (PMA), sem espaço fiscal para começar, deverão enfrentar crises económicas severas devido à redução das exportações, das receitas turísticas e dos rendimentos das remessas, em combinação com uma diminuição das receitas fiscais.

Acresce a estes reveses uma diminuição prevista do Investimento Direto Estrangeiro (IDE) de 40%, de acordo com o Relatório de Investimento Mundial da CNUCED, que salienta três grandes desafios para os PMA. Em primeiro lugar, uma redução no IDE ou um possível desinvestimento devido aos receios causados pela pandemia, em combinação com uma preparação e capacidade reduzidas de os PMA darem resposta. Em segundo lugar, uma aceleração da diminuição que já se verifica no IDE em projetos de raiz no primeiro trimestre de 2020, ou seja, de 20% em valor e de 27 em número. Em terceiro lugar, um declínio dos lucros empresariais de multinacionais que afetam potenciais ganhos reinvestidos nos PMA, onde a dependência desta fonte de IDE é relativamente alta.

Apesar destes desafios, os PMA podem utilizar a pandemia como uma oportunidade para atrair IDE. Eis como:

Intensificando a participação na cadeia de valor global

Devido a perturbações na cadeia de abastecimento causadas pela COVID‑19, as multinacionais estão a reavaliar a sua pegada global e a determinar as suas estratégias de aquisição. Embora o regresso a casa seja tentador, uma tendência mais segura e potencialmente mais sensata consiste em diversificar as operações e espalhar as instalações por várias regiões. 

Os PMA podem atrair tais investimentos na medida em que oferecem duas vantagens aos potenciais investidores: primeiro, como têm a demografia do seu lado, possuem uma abundante mão de obra com baixos salários; e, segundo, beneficiam de um acesso livre de direitos e de quotas aos seus principais mercados.

Dito isto, os PMA não são necessariamente o destino mais atrativo para os investidores estrangeiros devido à ausência de ecossistemas de investimento adequados e a vários constrangimentos do lado da oferta, incluindo a falta de recursos humanos qualificados, infraestruturas degradadas e deficientes e serviços logísticos limitados.

No entanto, estes problemas não são insuperáveis. Em primeiro lugar, os países podem formular políticas apropriadas que visem atrair investimento durante a pandemia e após a mesma. Por exemplo, Mianmar adotou um Plano de Recuperação Económica COVID‑19, que, entre outros aspetos, inclui uma política de promoção e facilitação ativas do investimento, que envolve aprovações rápidas de investimentos em projetos de mão de obra intensiva e de infraestrutura e uma redução na taxa de candidatura a investimentos.

De igual modo, o Benim tem utilizado sistemas de registo eletrónico para registar empresas através da plataforma MonEntreprise.bj. Esta tem sido eficazmente utilizada e já foram registadas 6926 empresas, 3% das quais não originais do Benim, entre o início do confinamento (16 de março) e 12 de julho de 2020.

À medida que os países se encaminham para uma recuperação ecológica pós-pandemia, existem potenciais oportunidades para os PMA atraírem IDE em setores ecológicos, resilientes aos fenómenos climáticos, resistentes à passagem do tempo e sustentáveis.

Em segundo lugar, no que se refere ao défice de competências, muitos PMA já assistem a um regresso a casa de trabalhadores qualificados ou semiqualificados provenientes de economias desenvolvidas e emergentes, estes trabalhadores podem ajudar, pelo menos parcialmente, a mitigar o problema.

Em terceiro lugar, embora as infraestruturas e os serviços logísticos não possam ser melhorados da noite para o dia, os PMA que já estabeleceram Zonas Económicas Especiais e/ou parques industriais, onde estes problemas são superados em grande medida, podem atrair IDE através do reforço das suas capacidades como forma de servir a rede de produção global. Seguindo o exemplo do Bangladeche e do Camboja, outros PMA, como a Etiópia, Mianmar, o Nepal, o Ruanda e o Senegal, podem também tirar proveito desta oportunidade.

Apostar no IDE sustentável 

Existem pelo menos 60 oportunidades de mercado de rápido crescimento em áreas como alimentação, cidades, energia e materiais e saúde e bem-estar, todas elas ligadas ao alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Estas oportunidades, que podem ser direcionadas para o IDE sustentável, estão avaliadas em mais de 12 biliões de dólares anualmente até 2030.

À medida que os países se encaminham para uma recuperação ecológica pós-pandemia, existem potenciais oportunidades para os PMA atraírem IDE em setores ecológicos, resilientes aos fenómenos climáticos, resistentes à passagem do tempo e sustentáveis. Vale a pena destacar medidas selecionadas tomadas pelos PMA, mesmo antes da pandemia de COVID-19, que podem ser replicadas no atual contexto.

O Ruanda constitui um bom exemplo da oferta de incentivos de investimento relevantes para os setores relacionados com os ODS. O país conferiu taxas fiscais preferenciais aos investidores que se dedicam à geração, transmissão e distribuição de energia de turfa, solar, geotérmica, hidráulica, de biomassa, de metano e eólica. De modo semelhante, a Etiópia criou um parque ecoindustrial em 2016 projetado para a indústria têxtil e de vestuário e alimentada maioritariamente por energia hidroelétrica. Nas suas instalações foi construído um sistema de zero efluentes líquidos, permitindo a reciclagem de 90% das águas residuais.

Explorar novas fontes de crescimento

Muitos PMA estão agora a definir o modelo tradicional de transformação estrutural. Alguns PMA estão a tirar partido de novas fontes de crescimento em serviços de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e comércio digital. Estes constituem uma oportunidade para os PMA atraírem IDE no contexto da COVID-19, já que estas empresas podem ser geridas com o mínimo de contactos sociais.

Alguns PMA têm exportado serviços de TIC no passado recente, valor que, enquanto percentagem do total das exportações de serviços, é igual ou superior à média global (ver gráfico abaixo). O crescimento das exportações no setor das TIC contribui para que estes PMA aumentem a confiança empresarial para atrair IDE para o setor, resultando em melhoria de competências, transferência de tecnologias e acesso a competências de gestão e técnicas. Este aspeto irá conduzir a um aumento ainda mais significativo das exportações de serviços de TIC.

 

Gráfico: Exportações de serviços de TIC (% das exportações de serviços), 2017

Fonte: Banco Mundial

Nota: com base nos últimos valores disponíveis, incluindo o Senegal (2014) e o Burquina Faso (2016). 

 

De igual modo, um estudo conjunto realizado pelo CCI e pela Ali Research revela que nos PMA asiáticos o acesso a infraestruturas e a viabilidade de preços das mesmas, aliados à facilidade de realização de transações comerciais, resultaram em aumentos nos vendedores registados destes países na plataforma Alibaba, em mais de 30% por ano entre 2015 e 2017.

Promover a cooperação internacional no apoio relacionado com o IDE

Reconhecendo a necessidade de esforços globais para ajudar os PMA a atrair IDE, o ODS 17.5 apela à adoção e implementação de regimes de promoção do investimento para os mesmos.As agências de promoção do investimento nos PMA têm um claro papel a desempenhar aqui, mas a sua capacidade limitada de se adaptarem neste momento decisivo significa que necessitam de apoio crítico.  

Neste contexto, o Comunicado publicado pelo G20 demonstra uma determinação de “não poupar quaisquer esforços” para apoiar a economia global durante e após a crise atual. Dentro deste espírito, foi elaborada uma proposta para criar um “mecanismo de IDE” bem alicerçado ou, em alternativa, para ampliar o mandato da estrutura já disponível da Iniciativa da Ajuda ao Comércio no sentido de incluir ajuda ao investimento especialmente centrada nos países de baixos rendimentos. Uma tal iniciativa seria um desenvolvimento bem-vindo para os PMA reforçarem as capacidades de atrair e reter IDE nestes tempos difíceis. 

Para concluir, em virtude da persistência dos constrangimentos, a adoção atempada de políticas sensatas para criar e reforçar ecossistemas de IDE e a sua implementação eficaz constitui um pré-requisito fundamental para os PMA atraírem IDE no contexto da COVID-19. O apoio da comunidade internacional seria igualmente fundamental para ajudar os PMA a atraírem IDE com vista a uma melhor reconstrução.

A inação não é definitivamente uma opção.

 

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O autor reconhece e agradece os comentários fornecidos por Bostjan Skalar, bem como os contributos de Paulin Zambelongo e Fanan Biem. 

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